Em 8 de Janeiro de 1964 parti do cais de Alcântara-Lisboa e, uma semana depois, o navio “Quanza” atracava em Bissau. A minha Companhia (618) rumava a norte, da então Província Ultramarina, com a fria ração de combate distribuída ainda no barco. Sentados nas viaturas militares vimos a cidade a correr….. Poucos quilómetros alcatroados e muitos de terra solta. De seguida, o rio Mansoa a travar-nos a marcha. Preguiçoso e lento, mais parecia adormecido no leito. Atravessado na jangada, os militares do Batalhão de Bula já nos esperavam na outra margem. Conduziram-nos ao respectivo aquartelamento onde dormimos essa noite. Dias depois celebrava os meus 23 anos no destacamento de Varela, na fronteira com o Senegal, com os 35 soldados do pelotão que comandava. Era a guerra colonial.
Mais de 50 anos depois, em 2016, também no mês de Janeiro, aterrei no aeroporto de Bissau. Passados uns dias celebrei os meus 75 anos com um grupo de voluntários! Era outra missão, não a de soberania, como em 1964, mas solidária.
A nossa vigem, promovida pela UASP – União das Associações dos Antigos Alunos dos Seminários Portugueses – no âmbito do projecto “Por mares dantes navegados”, foi um pequeno mas importante sinal de Esperança. A Esperança aguardada por muitos guineenses a viverem em pobreza extrema. Foi comovedor ver e partilhar a alegria de tantas crianças e adultos, os rostos da solidariedade, e sentirem neles a força de poderem ainda viverem e esperarem um futuro melhor. E, para que tal aconteça, contam com a ajuda permanente dos missionários das Ordens Religiosas e Institutos femininos e masculinos, muitos voluntários no terreno, a Igreja Sinodal e Samaritana. Tivemos a graça de palmilhar o chão areoso e escaldante da Guiné; de atravessar bocados de um mar sereno e os muitos canais com as margens cobertas de arbustos e árvores entrelaçados e dobrados sobre as águas límpidas, como que a saudar-nos. E, assim, chegámos às tabancas (aldeias) de um povo politicamente resignado, mas profundamente crente, amigo e acolhedor, com eles participámos nas festivas celebrações Eucarísticas. Ao visitarmos as várias instituições e casas de acolhimento constatámos como o trabalho é realizado com alegria e disponibilidade total pelos missionários e voluntários.
Mas, há outras maneiras de continuarmos presentes na encantadora terra da Guiné-Bissau. E assim aconteceu! O espírito solidário continuou, depois, na cidade berço de Guimarães. Foram acolhidos fraternalmente e apoiados dois jovens médicos que vieram, por alguns meses, frequentarem acções de formação da especialidade no Hospital local e regional da Senhora da Oliveira. Chegaram a Portugal sem recursos. Como é público, o governo da Guiné, habitualmente, tem os salários em atraso e a bolsa, atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian, só chegou mais tarde. Mas, graças a Deus e à boa vontade de alguns, antes comprometidos nas duas missões, não lhes faltou o essencial para uma estadia humanamente digna, colmatando as dificuldades financeiras e logísticas manifestadas humildemente por esses profissionais de saúde da Guiné.
Foi-lhes proporcionado, também, algumas visitas culturais a vários pontos turísticos e religiosos do Minho: Bom Jesus, Sameiro, em Braga, Santa Luzia, em Viana do Castelo e, mais distante, a Fátima.
Outros profissionais de saúde chegaram alguns meses depois e mereceram, igualmente, o apoio necessário.
Os contactos continuam, porque os amigos guineenses têm memória e são gratos e a solidariedade tem perdurado. Sabem que as portas ficaram abertas para futuras acções de formação em Guimarães. Afinal, o bom acolhimento e os gestos solidários são a expressão concreta das “Obras de Misericórdia”.
Alfredo Monteiro (AAAFranciscanos)
Quem não combateu não sofreu as agruras da violência de quem nada fez para que fosse forçado potencialmente a matar, uma das razões para que consideremos as guerras como injustas, mas deu para sentir, por outro lado, a grandeza de ALMA de um Povo que se contenta com tão pouco é mesmo assim o reconhece como um tesouro. Parabéns Alfredo
muito bem, Alfredo Monteiro. eu também estive na Guiné, na Base Aérea, de 1971 a73. 7E também lá voltei com o grupo da Páscoa de 2017. e gostei muito de ver e falar com aquelas pessoas simples, confiantes e… resignadas. Timoteo Moreira