JORNADA CARMELITANA EM TERRA DE FÉ E DE CONFIANÇA
Foram muitos, mais de centena e meia, os cidadãos que, oriundos de norte a sul do país, se deslocaram a Fátima, mais concretamente à Casa S. Nuno – Hotel, nos passados dias 24 e 25 de fevereiro, na convicção de que dali sairiam fortificados, como habitualmente, depois de saciados pela envolvência espiritual que, incessantemente, procuram e têm encontrado no seio da Ordem do Carmo, ancorada na Regra da Antiga Observância que os alimenta e que, no seu conjunto, formam um corpo, uma família, a Família Carmelita.
O mote para tal ajuntamento constava do programa elaborado para aqueles dias que seriam de convívio, mas também de fortalecimento espiritual, alicerçado na experiência de vida e ensinamentos de Santa Teresinha que transmitiu ao mundo que “É a confiança e nada mais que nos conduz ao amor”, conforme escreveu na sua Carta 19 e que constituiu o fio condutor de toda a jornada.
Os participantes foram aportando à ancoragem previamente definida de variadas formas e horários distintos. Alguns foram de véspera, mas a maioria chegou no primeiro dia aprazado para o encontro que, no fundo, é uma peregrinação. É que além da afetividade pessoal com os outros membros, busca-se também a santidade do local que é muito inspirador.
Não sei já bem quem terá sido a protagonista do ensinamento de que a pontualidade é importante na vida e no ordenamento social, mas recordo bem ter ouvido dizer, ao padre Reitor do então Seminário Missionário Carmelita, nos anos sessenta do século passado, que Santa Teresa de Lisieux (ou terá sido Santa Teresa d’Ávila? – não tenho bem presente) quando ouvia a campainha que assinalava o fim ou o início de uma tarefa, nem sequer apunha o ponto no i, tal o rigor que a si própria impunha no cumprimento dos horários.
Fosse como fosse, também o início do encontro da Família Carmelita foi cumprido com o rigor do Meridiano de Greenwich e a pontualidade de Santa Teresa, depois de, aos poucos, o espaço fronteiro à Basílica da Santíssima Trindade, alinhado, a norte, com a Cruz Alta, ser preenchido por tanta gente ostentando a capa branca, uma herança do profeta Elias que é um sinal de humildade, honestidade e pobreza, o que causou muita curiosidade a tantos passantes que não cessavam de fotografar a comitiva carmelita em procissão, encabeçada por alguns estandartes representativos do sodalício de origem, rumo à capelinha das aparições onde iriam ser protagonistas e responsáveis pela recitação dos Mistérios Gozosos do Santo Rosário, tendo como referencial a vida de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, a que se seguiu a celebração da Santa Missa.
Reconfortados espiritualmente, a baixa temperatura e o sibilar do vento encaminharam quase todos rapidamente ao seu abrigo na Casa S. Nuno onde, pouco depois, iriam alimentar o corpo físico, ainda que com tempo para atualizar conversas suspensas de outras marés, avivar memórias de outras jornadas e trocar experiências de condução local de assuntos comuns.
Para a noite estava aprazada uma conferência orientada pelo Frei Pedro Bravo, o delegado da Ordem do Carmo para a Família Carmelita, um exegeta e um comunicador de reconhecidos méritos, onde a vida de Santa Teresinha foi o epicentro, intitulada: A VIA DA CONFIANÇA E DO AMOR.
Foi salutar ouvir Frei Pedro Bravo discorrer sobre o percurso de vida de Santa Teresinha, começando por citar o Papa Francisco que fez publicar uma Exortação Apostólica, em 15 de outubro de 2023, que denominou “Um Apelo à Confiança”. E prosseguiu dizendo que, para Santa Teresinha, a Confiança é a sua própria experiência de Deus e que o seu pai biológico a influenciou muito, sendo para ela a pessoa mais importante. Nutria um grande amor à natureza porque nela via a grandeza e o poder de Deus. Também sentia que o confessionário era uma via da confiança e do amor. Para Teresa, Deus é mais terno que uma mãe e o Evangelho é o livro da vida, onde se encontra a ciência do amor. A vida dela ensina-nos que a santidade é um caminho acessível a todos e é a confiança e só a confiança que nos leva ao amor, pois Deus é amor e misericordioso, sendo que o amor é fazer a felicidade do outro. Concluiu dizendo que Santa Teresinha foi extraordinária no amor simples, conforme prova a sua vida.
O dia seguinte, após o reconforto do corpo, a maior parte do grupo demandou os Valinhos para reviver a Via Crucis, orientada por Frei Pedro Bravo enquanto outros mais limitados fisicamente se quedaram pela capela do hotel, mas embebidos no mesmo espírito que exala da paixão e morte do Senhor. O tempo ameaçava e acabou por, aqui e além, acrescentar mais alguma humidade à terra que, pela previsão dos entendidos, não tardará a ressequir de novo. Eram vários os grupos que preenchiam a via conducente ao Calvário dos Húngaros, alguns mais apressados, mas outros, como os carmelitas, rezavam e meditavam pausadamente, sem pressas, na vida de Santa Teresinha, que foi o tema escolhido, mas também na do seu mestre.
A própria Santa Teresinha haveria de ter gostado de nos acompanhar tal era a força da natureza a brotar. Floresciam tojos de um amarelo piu-piu, várias outras flores de tons amarelados e outras brancas como as vestes da maioria dos participantes, o verde, por vezes intenso, acompanhava quase todo o percurso e, aqui e além, a Quaresma era também assinalada por algumas flores roxas.
E foi a quadra preparatória da Páscoa, que é uma festa móvel de grande simbolismo, cuja data é fixada em função da primeira lua cheia que ocorre após o equinócio de Primavera, que determinou a escolha da data do encontro que celebramos, não por ser 24 ou 25 de fevereiro, mas sim por ser o segundo domingo da Quaresma, que também é móvel no calendário gregoriano, como é óbvio.
Assim, foi o simbolismo da Transfiguração que se celebra na Eucaristia do II domingo da Quaresma, que constituiu o âmago do encontro, meditando Nela, na Transfiguração, em vista de acolhermos o convite do Senhor a transfigurar o que em cada um de nós não é santo e a darmos lugar à esperança e à confiança nestes tempos de maior crise que induzem desânimo. É que, se nos deixarmos transfigurar pelo Espírito Santo, seremos capazes de ser testemunhas do Evangelho onde quer que nos encontremos, que é a missão de qualquer cristão.
O cerimonial religioso, designadamente o Santo Terço e as eucaristias, além do Pe Frei Pedro Bravo que esteve em todos os momentos programados, teve a participação do Comissário-Geral da Ordem, o Pe Frei Agostinho Castro, bem como o anfitrião o Pe Frei Ricardo Rainho, o que constituiu uma honra para os participantes, bem como a presença de Frei Severino Castro, que acompanhou a Confraria de Nossa Senhora do Carmo de Santo António dos Cavaleiros.
Finalmente é de referir, louvar e agradecer a especial participação das VOTNSC de Viseu e de Setúbal que emprestaram beleza e profundidade às cerimónias religiosas na Capelinha das Aparições e na Capela da Casa S. Nuno, respetivamente, através da sua música e do seu canto.
Em suma, foi uma excelente e proveitosa jornada carmelita.
Américo Lino Vinhais
Antigo Aluno Carmelita