Embora a adoração eucarística fora da missa seja uma prática católica secular, importa dizer que o lugar primeiro de adoração é a própria celebração, pela forma harmoniosa como há-de ser conduzida e o destaque a dar aos momentos de silêncio (escuta e meditação).
Dito isto, deve afirmar-se que a adoração eucarística fora da Missa é, à sua maneira, um modo de comunhão com a páscoa do Senhor, pois na Eucaristia “Cristo torna presente, na passagem dos tempos, o seu mistério de morte e ressurreição” (João Paulo II).
A adoração é, assim, verdadeira extensão da dinâmica sacramental da Eucaristia, quer pela oferta da própria vida ao Pai e aceitação do Seu amor que salva, quer pela tradução do seu sentido último, na vida de todos os dias, em favor dos irmãos.
A este respeito, recordemos Santo Anselmo (+1109) que via a essência da acção salvífica de Cristo como “satisfação”, isto é, como reparação objectiva da ordem natural atingida pelo pecado de Adão. Cristo opera a nossa salvação porque, como homem-Deus, no sacrifício da cruz, satisfez (pagou) plenamente por todos os nossos pecados.
Deste modo se acentuou na teologia e na piedade dos fiéis uma perspectiva jurídica sobre a oferta de Cristo que valoriza mais o Seu sacrifício na cruz do que a Sua ressurreição. A partir do momento em que a satisfação se cumpre e conclui com a morte de Cristo na cruz, a Sua ressurreição é inserida na reflexão teológica como complemento, não essencial para a aquisição de uma verdadeira e própria salvação (M. Augé).
Assim se esquecia o valor salvífico que o Novo Testamento dá à ressurreição do Senhor – “entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4,25) –, e recordado por São Tomás de Aquino (+1274), ao comentar esta mesma passagem bíblica: “tanto a morte como a ressurreição de Cristo são causas eficientes da nossa salvação”.
Importa, por isso, recuperar uma perspectiva teológica mais ampla, pois para compreender o significado da Eucaristia não basta pensá-la em si mesma, como se fez ao longo do II Milénio, é preciso partir de Jesus e da Sua intenção, porque Ele é o “princípio” da Eucaristia; é Ele que determina o sentido sacramental do pão e do vinho eucarísticos e não o contrário; foi Ele que, antes da sua Paixão, Morte e Ressurreição – o acontecimento culminante da Sua vida – nos explicou o seu significado; e é Ele que, na Eucaristia, pela força do Espírito Santo, o torna presente entre e para nós.
De facto, só depois da experiência pascal é que os discípulos compreenderam o significado da Eucaristia, começaram a ver a Ceia “em memória de Jesus” como a forma mais elevada da Sua Presença no meio deles e entenderam que não se tratava apenas de repetir as Suas palavras e os Seus gestos, mas de fazer seus (nossos) os sentimentos de Jesus no momento do Seu sacrifício pascal.
Jesus quis e quer que o sacrifício do Seu corpo entregue e do Seu sangue derramado se torne nosso. E isto é possível na medida em que a nossa vida – como a d’Ele – se perder, ou seja, for dada ao Pai em atitude de obediência filial e de serviço. Assim, a participação na Celebração eucarística faz despertar em nós a exigência da entrega e esta mesma atitude é reforçada na adoração eucarística fora da Missa.
P. Armindo Janeiro
Todos os momentos e todos os locais são propícios à adoração de Deus