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Terça-feira, Dezembro 03, 2024

A Economia de Francisco – 5

Conversão e transformação das nossas prioridades

Papa Francisco afirma que não basta apostar sobre o terceiro sector ou os modelos filantrópicos. O que fazem é crucial, mas não se têm mostrado capazes de afrontar estruturalmente os actuais equilíbrios que golpeiam os mais excluídos e que, sem o quererem, perpetuam estruturalmente as injustiças que pretendem eliminar. «De facto, não se trata só ou exclusivamente de acorrer às necessidades mais essenciais dos nossos irmãos. É preciso aceitar estruturalmente que os pobres têm dignidade suficiente para tomarem parte nos nossos encontros, para participarem das nossas discussões e para levarem o pão para suas casas. E isto é muito mais que ‘assistencialismo’: estamos a falar de uma conversão e transformação das nossas prioridades e do lugar do outro nas nossas políticas e na ordem social».

Algo de novo acontece em pleno século XXI, para além da exploração e opressão: «com a exclusão, é ferida na sua raiz a pertença à sociedade em que se vive, porque nela já não se está apenas nos submundos, na periferia ou sem poder. Está-se fora dela. É a cultura do descarte, que não apenas afasta, como obriga a viver no próprio descarte, tornados invisíveis, fora do muro da indiferença e do conforto».

Conta, depois, a tremenda impressão que numa visita a noviciados da Companhia, nos anos 70, lhe fez encontrar condomínios completamente fechados, onde não se podia entrar livremente, porque separados por muros. Era um bairro que vivia na completa indiferença para com os outros. E lança a pergunta: «o teu coração é como um bairro fechado?».

Profundamente ciente de que os problemas da marginalização dos mais frágeis não se resolvem apenas com a proposta de modelos teóricos, afirma que eles exigem «um empenho generoso no âmbito cultural, na formação académica e na investigação científica, sem se deixar ficar pelas modas intelectuais ou pelas posturas ideológicas, que não passam de ilhas, e por isso continuam a isolar da vida e do sofrimento concreto da gente.

Dirigindo-se especialmente aos jovens economistas, empresários, trabalhadores, gestores, insiste em que: «é tempo de ousar o risco de favorecer e estimular modelos de desenvolvimento, de progresso e de sustentabilidade nos quais as pessoas, e de maneira muito especial os excluídos (e entre estes também a irmã terra) cessem de ser – no melhor dos casos – uma presença meramente nominal, técnica ou funcional, para se tornarem protagonistas da sua vida, bem como de todo o tecido social».

Aqui está realmente o desafio a exigir profunda conversão e transformação: que os pobres e excluídos se tornem protagonistas da sua vida e de todo o tecido social. Não podemos pensar por eles e em vez deles. Temos de pensar com eles. «E que deles aprendamos a fazer avançar modelos económicos que alcancem vantagens para todos, porque a perspectiva estrutural e decisória será determinada pelo desenvolvimento humano integral, tão bem elaborado pela Doutrina Social da Igreja. A política e a economia não devem submeter-se aos ditames do paradigma eficientista da tecnocracia. Hoje, pensando no bem comum, temos necessidade, de modo inelutável, que a política e a economia, em diálogo, se ponham decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana».

Francisco não poupa nas palavras: «Sem esta centralidade – o desenvolvimento humano integral – e esta orientação, permaneceremos reféns de uma circularidade alienante que mais não fará que perpetuar dinâmicas de degradação, de exclusão, de violência e polarização… pois não basta aumentar a riqueza comum para que seja repartida equitativamente. Não, não basta isto, não basta promover a técnica para que a terra se torne mais humana para habitar».

Desenvolvimento humano integral é o caminho, a boa notícia a profetizar e realizar, porque nos propõe que «nos encontremos, como humanidade, naquilo que temos de melhor em nós mesmos: realizar o sonho de Deus de que aprendamos a tomar conta do irmão, especialmente do irmão mais vulnerável». Como já afirmava Bento XVI na ‘Spe Salvi’ (38): «A medida de humanidade determina-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre, tanto no que diz respeito à pessoa singular como à inteira sociedade». Esta medida de humanidade deve incarnar-se também nas nossas decisões e nos modelos económicos.

P. Carlos Vaz, ASSASBraga

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