Deixado o Instituto Superior São João Bosco, rumámos ao centro da cidade para visitar a icónica igreja de Polana. É muito comum quando vemos fotografias de Maputo, encontrar como um ícone da capital esta igreja. E bem merece porque é, toda ela, uma verdadeira obra de arte arquitectónica, de dar no olho. Não passa despercebida a quem passa ao largo e a consegue avistar. Não está localizada em nenhuma via principal de Maputo, mas próxima, e não sendo visível de um grande perímetro à volta, tem visibilidade suficiente, depois de procurada pela vista com algum detalhe, porque não haverá quem vá a Maputo e não o faça; e ao encontrar, exclamará: está ali. Assim aconteceu connosco. Ali nas proximidades, passámos pelos principais edifícios governamentais, como o palácio presidencial, o parlamento, a sede do governo e outras instituições, presentes e passadas, que merecem destaque na capital.
A igreja de Polana situa-se num recinto relativamente discreto, formado pelo seu próprio volume e um jardim quadrado, à sua volta, que se constitui como o seu próprio adro. O jardim é relvado e bem cuidado, no entroncamento de uma rua, com generosas residências individuais, deixando entrever que se trada de um clássico bairro dos ricos; ouvi mesmo identificarem esta zona com esse epíteto. Naturalmente que hoje há bairros muito modernos e muito mais ricos em Maputo, mas este é um quarteirão colonial, muito bem preservado e onde continuaram a morar residentes com estatuto e posses.
A igreja é uma lindíssima e complexa estrutura em betão armado, parecendo-se com um gracioso tecido a que se pegou no meio e se elevou, criando uma espécie de tenda redonda e simétrica, modelada com as formas proporcionadas pelas pregas próprias de um tecido não rígido, encimada com uma cruz de boa dimensão. A igreja é controlada pela ordem Franciscana que dirige a paróquia desde o início, e que tem uma estrutura residencial e paroquial ao lado, contígua ao jardim da igreja. Curiosamente, a entrada para as visitas à igreja, quando esta não está em função de culto, fazem-se por esta instalação. Entrámos, e deparamos com nova surpresa; a imponência do espaço interior, apesar de tudo, não se adivinha bem de fora; talvez o enquadramento exterior e o facto de estar em campo aberto, não deem a sensação correcta da sua dimensão interior, apesar de ser, sem dúvida, um edificado imponente.
É mesmo uma estrutura maravilhosa, extensa e espacialmente muito bem organizada. Não falta luz no seu interior. Talvez, parcialmente, apenas cor. À volta da igreja, existem vitrais, neutros, que deixam passar a luminosidade suficiente para um ambiente acolhedor, intimista e propício ao recolhimento. Depois, eleva-se aquela gigantesca campânula quase cónica, parecida com o desenho natural de um tecido que foi puxado para cima no ponto central, envolvendo o espaço interior com toda a graciosidade e leveza. É betão armado mantendo a cor natural, mas confere uma elegância e um equilíbrio artístico um pouco difícil de descrever, de belo. Lá em cima, nas laterais à volta da cúpula, aí sim existem vitrais, de várias cores, que iluminam num arco iris com um quase raiar prismático as pregas superiores da espécie de funil em que termina a cúpula. Esta incrustação de vitrais coloca de novo alma, alegria e um não sei quê de fantasmagórico nesta grande volumetria. Este desenho gera (pelo menos na minha sensibilidade) três grandes elementos e argumentos, para traduzir o belo e o prático:
Um pé direito desta dimensão e formato, dão realmente uma sensação de espaço incrivelmente grande, mesmo exageradamente grande, diria, quase fantasmagórico;
A configuração da igreja neste estilo, torna-a um templo enorme e amplo do ponto de vista da capacidade e da funcionalidade;
Finalmente ali, debaixo daquela espécie de manto elevado, quase uma gigantesca tenda, tive uma sensação de pequenez e de protecção.
Todos os elementos habituais do culto para uma igreja estão graciosamente distribuídos à volta, a partir da berma do perímetro circular, quer seja o altar mor, o sacrário, o local do coral, a pia batismal, e os acessos de serviço. A igreja é mesmo uma obra de arte, futurista, com muita criatividade. Única!
Saídos dali, empolgados por um estado de grandiosidade, graciosidade e admiração, voltámos às vias principais da capital, passando a admirar em repetição os ícones do novo país através das sedes das principais instituições governativas. Demos um saltinho a um mercado de arte africana, enorme, e com uma grande variedade de itens, entre tecidos, pinturas, estatuária e um cem número de objectos de todo o tipo e feitio. Mal entramos, somos assediados, quase abafados, por inúmeros vendedores que não nos largam mais. Começam com preços exorbitantes em relação ao valor das peças, veem descendo e pressionando até que façamos uma oferta. Aprendi que a técnica mais eficaz será a de oferecer um valor que eles não possam negociar, como por exemplo, apenas 20% do valor pedido, ou menos. Continuam atrás, sempre descendo o seu valor inicial, até pararem num determinado nível, pressupostamente aquele a partir do qual não podem negociar. Se mantivermos a nossa oferta, duas coisas podem acontecer, ou entregam, o que nos leva a pensar que, eventualmente, ainda oferecemos de mais, ou passado pouco tempo, deixam de nos pressionar. Os nossos olhos ficam perdidos no meio de tanta arte e tantos artefactos lindos. A nossa vontade é sempre trazer tudo, mas é uma verdadeira saga comprar ali seja o que for.
Percorremos parte da cidade mais clássica e colonial, e frenámos numa rua movimentada e que mostra o fausto de uma espantosa cidade colonial de outros tempos, junto a um edifício grande, em comprimento, muito bem conservado, a funcionar como universidade. Ao meio do edifício, uma igreja de grande dimensão e muito bem preservada, completamente urbana, com motivos pictóricos e, sobretudo, com uma comunidade viva e rica. Ali participámos numa celebração, com considerável número de paroquianos, que não cheguei a perceber se vieram por cortesia para nos acolher, ou se a participação nas Eucaristias em dias de semana era daquele jeito. Estávamos na paróquia dos Mártires do Uganda, à responsabilidade dos Missionários da Consolata.
Fomos apresentados à comunidade, como era costume por onde passávamos, e tivemos a possibilidade, no final, falar e conviver com esta comunidade. Sempre e em todo o lado se criaram laços, amizades, contactos, experiências que não se hão-de apagar.
Atravessámos a pé para uma avenida próxima, perpendicular a esta, e entrámos na Casa Provincial da congregação da Consolata. Logo à entrada, inusitadamente, reencontrámos, a mais de 1500 Km de distância, o nosso motorista de Tete, o Cardoso.
O responsável da Casa que nos acolheu, revelou-nos que, antes de decidirem por Laulane para ser a nossa casa central em Moçambique, tinham pensado acolher-nos aqui. Fez as honras da casa, mostrou-nos tudo, e encaminhou-nos para o refeitório, onde fizemos contas com o estômago e os açúcares, que no final de um muito intenso dia já estavam em débito no nosso stock biológico. Boa refeição, regada com suave graduação de uma boa e frutada dádiva de um Baco que não era grego nem troiano, nem luso, mas antes vizinho do Adamastor, ali para o lado do Cabo das Tormentas.
No final da refeição, numa sala aberta junto ao hall de saída, sentámo-nos todos em círculo, e dedicámos uma sessão à troca de impressões e experiências com os senhores da Casa, e nós, uns com os outros. Após isso, todos os caminhos desembocaram em Laulane, ruminando ideias, experiências e sentires num dia tão intenso. E iniciámos já, nessas cogitações, uma espécie de processo de angústia e saudade, própria do adágio popular “era bom, mas está a acabar”; ou talvez não!
Nós iriamos dormir em Moçambique a última noite mais ou menos completa, dado que a última estava programada ser muito curta. E estávamos mais próximos daquele que seria o nosso último, mas estonteante dia. Estas cogitações levaram a que, mal entrámos em Laulane, cada um se enfiou no seu quarto sem delongas nem comentários. Em abono da verdade, todos não: A Isabel, o Pe. Armindo e o Pe. Simão, foram ainda escriturar os livralhaços da contabilidade, não fosse o empreendimento à falência. Por mim, só fiquei a observar, para ter alguma coisa que escrever.
Após uma africana noite de tamanho normal, iniciámos o dia à hora marcada, na primeira celebração matinal, perpassada daquele intimismo afectivo a que o grupo já se habituara e que, a não acontecer, faz-nos reconhecer a sua falta. O milagre de termos com toda a gratuitidade o presente da vida de mais um dia, só pode começar pela gratidão ao Autor desse milagre, e de ainda acrescentar a maravilha de o podermos fazer em comunidade. Esse momento de louvor continua-se à mesa do pequeno almoço e expande-se para a satisfação do que vamos realizar pelo dia fora.
E este dia começa também com uma espécie de nostalgia, o de ser o último desta fantástica incursão pela terra quente, vermelha e mágica de África.
Este último dia, mais uma vez, foi de uma intensidade desconforme com as horas do relógio. Saímos de Laulane para os bairros de Jardim e de Infulene. Visitámos e interagimos com as Irmãs Salesianas no Centro de Formação Profissional Dom Bosco, e no colégio Casa de Acolhimento de Meninos da Rua. Mais duas instituições exemplares, a que temos chamado de verdadeiros oásis sociais e humanos no contexto do cenário/panorama social vigente. Vimos a oficina de cartonagem e encadernação a funcionar, adquirimos lembranças muito giras, algumas das quais, porque não tinham stock suficiente para as quantidades que pretendíamos, geraram para nós o privilégio de serem especificamente fabricadas de propósito, na hora, pelas quais esperámos, e com o nosso olhar atento sobre o processo e a destreza daquelas pessoas a quem podemos chamar “peritas” na manufatura. Não pode haver melhor ilustração sobre o trabalho destas instituições, e o êxito destes seus beneficiários, que ver in loco e em directo o seu processo e a boa respectiva concretização. Estes pequenos, mas muito significativos momentos, são o que nos diz que somos uns privilegiados.
Depois, rumámos à Casa Padre Usera, das Irmãs do Amor de Deus, onde funciona o Centro de Formação das próprias Irmãs. E uma escolinha (infantário Creche).
Enquanto isso, dois de nós, tivemos de ir ao centro da cidade promover um expediente: para nos livrarmos da eventualidade de ter de deixar na alfandega do aeroporto, no dia seguinte, todos os objectos, designadamente os que têm madeira na sua constituição (porque há legislação de protecção sobre madeiras exóticas e, por conseguinte, de arte à base desta matéria prima). Teríamos de obter no Ministério do Turismo uma declaração oficial, salvaguardando exactamente esta questão. Então o Pe. Simão e eu próprio, lá nos dirigimos ao Ministério na recente e estimada pickup do Pe. Francisco, o que lhe terá custado uns largos momentos de ansiedade, só ultrapassada quando a viatura chegou sã e salva, sem riscos nem nada a apontar.
Chegados ao Ministério, pelas 11 da manhã, entrámos e, no hall de entrada, com ninguém atrás do extenso balcão, dirigimo-nos directamente a três cavalheiros (impecavelmente vestidos) e uma senhora que ali conversavam, e expusemos a nossa urgente, ou emergente questão, porque tudo teria de ser resolvido neste dia. Primeiro, sentimo-nos “scaneados” e completamente escrutinados pelo olhar e semblante daqueles intervenientes, sendo que o nosso interlocutor nos ouviu numa postura séria, mas muito atentamente. E disse:
– Não é aqui, é lá na marginal no edifício da Direção Geral (onde funciona a Secretaria de Estado), mas é impossível conseguir isso hoje.
Entretanto, chamou a senhora que naquele momento havia saído, pediu-lhe que voltasse, e disse-lhe para ela nos conduzir ao local, (para onde também ia), e tratasse de garantir a obtenção da declaração.
Tudo mudou de figura. Conversámos e apresentámo-nos, dissemos o que estávamos a fazer em Moçambique, e sentimos apreço da parte deles. Estávamos a falar com o próprio Director Geral ou (Secretário de Estado), o próprio que teria de assinar ou delegar assinatura da pretendida declaração. Disse-nos que a Dra. ia para lá, que fossemos atrás dela. Esperámos que o Fiat vermelho saísse da garagem, e seguimos até uns poucos quilómetros abaixo, numa zona completamente nova da cidade, junto à marginal, e entrámos no estacionamento do edifício, nas traseiras, ao ar livre, tendo a dita doutora mandado aparcar no único lugar vago, que era precisamente o do Director-Geral.
Cordialmente levou-nos ao 3º piso do edifício, e entregou-nos à ocupante de um gabinete, a quem dissemos o que pretendíamos. A senhora, com completa “cara de pau”, pareceu-nos inicialmente muito lenta a processar, e propôs-se iniciar o procedimento com o complicómetro ligado. Mas da conversa sequente e nossa proposta de solução, lá fez as anotações necessárias, simplificadas, e disse para passarmos logo no início da tarde, que teria pronto e assinado. Só aí dissemos propriamente quem eramos e, nesse momento, de repente, levantou-se o véu. Também ela é católica, muito envolvida na sua paróquia e, como um milagre, vimos-lhe os dentes e um semblante alegre e feliz. Nós, quase acabámos por ditar o que queríamos e quando. Revelou-se a partir daqui, completamente serviçal. Deu o seu telefone pessoal, acedeu sem qualquer objecção a que mandássemos buscar o documento por terceira pessoa… abriu a porta e o coração, poderíamos ainda hoje estar lá a conversar com ela. Mas não podíamos…
Apertava a combinada hora de almoço do outro lado do rio onde nos juntaríamos aos companheiros. Atravessámos a imponente, enorme, nova e moderna ponte para o outro lado do pequeno golfo de Maputo, para Katembe (também nome da ponte), onde tínhamos no GPS como destino o “restaurante Diogo”. Facilmente encontrámos o local, paradisíaco, estilo “lodge”, situado mesmo na praia, perante uma soberba vista sobre a cidade de Maputo. A grande massa de água era completamente castanha, não sei se por sistema, ou se acção de algum fenómeno temporário, como o vento que encapelava levemente o mar. Na frente passavam grande navios de carga em direcção ao Porto de Maputo, localizado logo a seguir a um pequeno istmo que iniciava uma enorme enseada, protegida, que constituía também uma baia interior na cidade, no desaguar do Rio Maputo.
Os companheiros tinham acabado de chegar. O nosso aparecimento bem disposto sossegou o Padre Francisco no que respeita ao estado da sua estimada viatura, e sentámo-nos numa ampla sala, já devidamente preparada. Só não chamo banquete ao faustoso almoço a que fomos submetidos e ao qual se juntou, mais que a simpatia, a amabilidade do dono e do pessoal da casa, porque para banquete mesmo, ainda estaríamos guardados para o fim do dia.
Aqui, serviram-nos marisco abundante ricamente acompanhado, e também carne esplêndida, tudo regado, por nossa opção, com a já famosa Laurentina. Foi faustoso.
Acabada a refeição, viemos para a plataforma exterior de madeira, frente ao mar, fazer fotografias, imortalizar momentos, tendo como pano de fundo a imponente cidade de Maputo. Daqui, não se consegue enxergar a pobreza e a degradação. Só se exibem os altos e modernos edifícios; mostra-se o mais moderno de uma cidade futurista.
Ainda houve tempo para visitar, no bairro de Incassane, um projecto de apoio a crianças desprotegidas, a cargo da associação “Luz Verde”. Mais uma interessante obra de verdadeira recuperação humana, que muito merece o nosso carinho e afecto. Enquanto isso, alguns de nós rumaram mais cedo ao centro da cidade ao encontro do Melito, que tinha sido incumbido de apanhar o nosso documento, e fomos às compras à mítica “Casa Crocodilo”, o mais famoso comércio de Capulanas. Ninguém que vá a Maputo, deixa de vir aqui, e é digno de se ver. Desde tempos imemoriais nas mãos de uma família indiana (moçambicana), encontram-se todos os padrões de panos africanos, já nas estandardizadas medidas de capulanas, ou em peça. Aqui não é nada difícil negociar: tudo tem preço fixo, não há descontos nem acrescentos – os indianos são sempre de contas certas. Aqui, o difícil é mesmo escolher; lá estamos nós com os “olhos maiores do que a barriga”. Apetece levar tudo, e seguramente que escolhemos os melhores padrões, mas fica sempre a sensação de que deixámos lá ainda melhores… enfim, contingências da contingência humana.
Esta era a tarde que tínhamos combinado para o encontro com Mia Couto. Não foi possível, finalmente, conjugar os tempos e o encontro não aconteceu. Ele não sabe o que perdeu, porque íamos levá-lo connosco a jantar.
Este fim de tarde imaginávamos antes que seria de fazer as malas que, entretanto, incharam mais do desincharam à chegada. Mas não. Lembram-se certamente que, tínhamos há poucos dias atrás cedido (com muita satisfação) ao convite, praticamente intimação, do nosso novo amigo Fernando, de que voltaríamos a jantar em sua casa na última noite. Pois, do centro da cidade, rumámos à sua casa na periferia onde estava implantado este novo oásis de satisfação e amizade. Chegados a este já apresentado refúgio, onde nos esperavam os mesmos amigos e mais um novo, e onde o jantar já prontinho nos aguardava, foi só o tempo de um abraço, a resposta à pergunta de “onde está a viola?”, e estávamos a iniciar outro verdadeiro banquete. Desta vez, carnes. Abundantes, tenras e deliciosas, acompanhadas de tudo aquilo a que têm direito, incluindo o saboroso e luso fruto da videira que gloriosamente o Baco transformou num néctar ainda mais saboroso quando bebido nestas inusitadas paragens.
Claro que só me volta a ocorrer classificar o banquete com a gloriosa expressão, altamente roubada e ajustada às circunstâncias certas pelo Padre Armindo: “Heróis do Mar”…!!!
E saciados no corpo, foi ainda momento de acicatar o espírito e a cultura, depois da sobremesa. O anfitrião pediu especificamente para voltar a cantar um poema de Gedeão que tínhamos exibido na outra vez, musicado pelo Manuel Freire, e que ele adorou. E assim se começou com a “Lágrima de Preta”. E desfiaram-se canções várias, com o Melito a cantar e ensinar uma canção africana para saudar. Foi muito divertido um jogo de interação que ele próprio preparou, em que todos, todos interagiram e que, no fim da intervenção de cada um, resultava na entrega de um pequeno brinde. Engenhoso e, sobretudo, a confirmação de que o rapaz ficou afectivamente muito ligado a todos nós.
Já a noite ia bem adiantada, e ainda nos esperava mais uma tarefa final. O novo amigo, o João, também Português do Norte, arquitecto, a residir aqui nos arredores de Maputo, pediu-nos para irmos a sua casa, para que os padres fossem benzer no seu jardim um monumento que tinha construído, em jeito de um grande tronco, encimado com o Cristo rei, e com um nicho a meio que guardava uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Era meia noite e, depois das despedidas da casa do Fernando – casa, entenda-se, lar que contém estes amigos – rumámos à casa do João onde mais uma surpresa nos acometeu. Uma moderníssima mansão inteligente, onde nos aguardava a esposa e um dos filhos ainda pequeno, mas acordado, e iniciámos o ritual próprio para esta ocasião, que admirámos e não fica na realidade nada a dever à descrição que já nos havia sido feita pelo anfitrião. Uma coluna de estrutura consideravelmente avantajada, imitando um tronco de árvore a nascer de um lago circular, ergue-se até terminar num Cristo Rei. E lá está no meio, protegida, a imagem de Nossa Senhora de Fátima. O jardim, espaçoso e bem organizado, tem mais do que jardim; tem canteiros devidamente adequados para pequenos espaços de cultura em que, nem a vinha falta.
Não demorámos muito tempo, porque o tempo urge, mas o suficiente para perceber que estávamos com mais um amigo. Calorosas despedidas e rodas a caminho de Laulane onde chegámos tardíssimo, apenas com cerca de duas horas para dormir, porque às 4 da madrugada era hora do despertador fazer chinfrim, tal como aconteceu, porque os aviões não costumam esperar pelos passageiros.
As malas fecharam-se à pressa, e a balança foi aferindo a respectiva calibragem. Algumas coisas tiveram de mudar de sítio para conformarem às normas. Dormir, suspeita-se que, no geral, foi pouco ou nada.
E nessa ainda mal nascida madrugada, os pássaros, de que já vos falei, ainda recolhidos, devem ter sido surpreendidos com uma tremenda agitação pelo tráfego de malas para o exterior dos edifícios. Um pequeno almoço extemporâneo e rápido marcou as despedidas de Laulane e dos nossos irrepreensíveis anfitriões. Após curta viagem para o aeroporto, as últimas despedidas ao Padre Francisco, e as formalidades de embarque que foram muito tranquilas e rápidas, sem qualquer incidente. A habitual espera na zona de embarque deu para conversa, para um dedilhar de guitarra, e para um pequeno vídeo de despedida feito pelo realizador Simão Pedro, com mensagem coletiva e pequenos apontamentos individuais, enviado a esta destacada figura do nosso périplo Moçambicano, o D. Diamantina, que a esta hora estava em missão no interior mais norte da diocese de Tete e que, entretanto, nos ia informando e fazendo acompanhar o seu trabalho com mensagens e fotos.
O resto, como o esperado: embarque e transposição dos vários milhares de quilómetros nas onze horas previstas, agora em rota pelo centro de África, para pousarmos em terra lusa ao fim do dia e à hora certa. Pelo meio, umas sonecas titubeantes, uns filmes, conversa, no meu caso a leitura de um dos livros de D. Diamantino e, um sempre agradável ou detestável (conforme os gostos) pequeno almoço e almoço – mas também sempre providencial.
Na chegada as formalidades de desembarque foram normais; sem atrasos nem desaparecimentos, nem controle adicional. O nosso autocarro aguardava-nos e, como era hora de jantar, rumámos ali próximo do aeroporto à Casa Provincial da Consolata, onde o Superior Provincial e a comunidade residente nos esperavam para nos reintroduzir na Europa e partilhar connosco o jantar que nos serviram. Daqui partimos para Fátima onde nos pulverizámos pelos vários sítios do país, de onde cada um reside.
As despedidas rápidas foram um até já, porque nos haveríamos de encontrar em breve para fazermos a avaliação da jornada, procedimento que vem sendo já rotina nos últimos anos.
Luis Matias (ASDL)
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