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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

III – PERDIDOS NA SELVA (Parte 2)

POR MARES DANTES NAVEGADOS
6ª EDIÇÃO – MOÇAMBIQUE

III – PERDIDOS NA SELVA

Parte 2

Depois de um abastado e bom “Buffet”, foram distribuídas as casas em que cada um ficou para dormir menos de metade de uma noite, mas que tinham conforto, espaço e apetrechos para qualquer um se instalar uns meses sem se queixar.

E logo de seguida, toca a rebate para o primeiro safari. Dois possantes Land Crusier abertos, com uma estrutura aplicada em anfiteatro para 12 ocupantes e encimada por um toldo, tomaram conta dos seus passageiros e saímos de máquinas em riste e curiosidade aguçada para, provavelmente, sermos ainda mais observados nós pelos bichos do que nós a observá-los a eles. Não tenho a certeza de que adjetivos os animais usariam para nos qualificar, se falassem a nossa língua, mas provavelmente, haveriam de se admirar e dizer: Olha, ali vai uma coleção de seres estranhos enjaulados… sim, nós é que íamos enjaulados!

E aquela savana imensa, com vegetação arbustiva e altas árvores, espalhava-se a perder de vista. As picadas por onde andámos estavam em muito bom estado, o que não inibiu de abanarmos o esqueleto em permanência, nem de termos rentabilidade de apenas cerca de 1/3 dos disparos (fotográficos, claro), porque na hora de premir, sempre o jipe fazia o solavanco fatal para retirar o animal da objectiva. Mas foi fantástico. Por entre aquela vegetação e aquela paisagem com um misto de fantasmagórico que nos confirmava os inúmeros programas de vida selvagem que todos na vida visualizámos, e um sentimento de certa compaixão por aqueles animais e espaços, porque com tanta gigantesca árvore seca e a paisagem agreste e com indícios de esgotada, como é que tanta boca poderia subsistir?

Sabemos que na savana, a luta pela vida é um gigante contínuo, mas o certo é que subsiste e cumpre o seu papel ao longo de séculos. E tem muito mais vida que aquela que podemos vislumbrar à vista desarmada.

Não consigo, nem de forma aproximada, nomear as espécies que fomos vendo. Muitos animais, por todo o lado, com alguns a dominar o vasto território, espalhados a perder de vista (Impalas, gazelas e afins); outros em grupos em diversas zonas (girafas, Zebras, gnus, etc.), outros em locais especificamente adequados, junto da água (hipopótamos, rinocerontes, crocodilos, macacos, muitos búfalos), e ainda, uma variedade enorme de aves de todos os portes, cores e feitios. Destaco um ninho de águia, apenas um, e as lindíssimas aves que aos magotes encimavam as girafas para as libertarem dos parasitas; com o bico vermelho, lá iam fazendo o seu trabalho numa verdadeira parceria simbiótica. Os búfalos, tem outras aves a limparem, brancas e mais comuns.

A verdadeira saga, foi a demanda dos leões; bem os queríamos encontrar, mas nada. Não serviam para o efeito os sportinguistas da comitiva (santos de casa não fazem milagres) e, claro, esta raridade gerou animosidade (da boa) na conversa, por muito tempo. Ao fim do dia, a notícia perpassou pela savana como uma bomba: há leões. Parámos o jipe à distância, claro, e ficámos à espera que os ditos se manifestassem. Mas nada. O máximo que pudemos ver foi, numa pequena clareira de arbustos, uma pata erguida de um leão preguiçoso. O resto dele… nós imaginámos. Tivemos sorte na madrugada seguinte, no segundo Safari, porque enxergámos ali perto uma manada de 7 leões, ou melhor, leoa com crias já crescidas.

A noite cai cedo em África. Em todo o ano, às 6 da tarde é noite. E às 5:30 da manhã levanta-se o dia. O único sítio onde parámos na selva e pudemos sair das nossas “jaulas”, foi próximo da margem do rio Crocodile River, onde ainda conseguimos enxergar hipopótamos, elefantes, crocodilos e macacos. Umas cervejinhas e um bom lanche feito ali em pé, e voltámos para a nossa gaiola eléctrica.

O jantar, em Bufet, foi animado. Tínhamos aprendido na pele durante o almoço que, aqui black beer é branca. É uma marca e não a cor da cerveja. Cerveja preta não há. Jantámos, conversámos muito, divertimo-nos discutimos o dia intenso, como se estivéssemos na Europa. Esquecemos que a noite começa mais cedo e acaba mais cedo também. Tiveram quase que nos pôr na rua para fecharem o restaurante. Ainda por cima, Portugal estava a jogar, e nós a vermos o jogo num dos nossos telemóveis. E lá recolhemos aos nossos esplêndidos aposentos, com excepção dos dois corajosos mergulhadores.

E o despertador, passado um pequeno lapso de tempo, pôs-se a despertar à toa. Eram 4:30 da manhã… pois é, há animais que se os queres ver, tens que sair da toca com eles. E lá começa outro dia com alto débito de horas à cama. O dia acordou horrível, a contrastar com os anteriores. Um frio de rachar e mesmo algumas pingas de chuva. Talvez o acto mais heroico do percurso tenha sido este: sair para o safari com roupa de verão, mas num inverno inusitado, em que tivemos de andar a emprestar roupa uns aos outros. Fomos aqui convidados a exercitar os bons princípios cristãos: quem tem duas capas, dê uma a quem não tem. Senão, rasgue a sua ao meio para partilhar. Assim fizemos. E cumprimos o propósito previsto.

Situação hilariante e caricata, até no relato dos próprios, aconteceu junto a um lago cheio de hipopótamos (eram mesmo muitos), onde se fazia sentir uma ventania fria e horrível e foi necessário improvisar um wc, contribuindo também com a natureza na rega da savana tão precisada. O desenho do primeiro improvisador, foi um leque natural que cobriu uma área de terreno bastante generosa. Mas no segundo, o vento mudou de rompante, e deu-se um “ricochete” inusitado que redundou em auto-rega, situação hilariante que já consta no rol das anedotas de campo do grupo.

Deste safari, para além de uma comunidade enorme de macacos, muitos dos quais graciosas crias pequeninas, destaca-se, finalmente, o encontro imediato com uma manada de leões. A grande aspiração dos sportinguistas e, por simpatia, do grupo todo, foi satisfeita. E voltámos ao Lodge onde, logo a seguir ao pequeno almoço que só então teve lugar, partimos de volta a Moçambique.

Impressionou-nos uma fila de camiões para passar a fronteira, com uma extensão de cerca de 12 Km que, viemos a saber depois, chegam a esperar ali 3 dias para entrar em Moçambique, e descarregarem logo a seguir num depósito na estação de caminho de ferro. Levam minério, sobretudo carvão das minas sul africanas, para o Porto de Maputo, onde é exportado para outras partes do mundo.

Fizemos os procedimentos de regresso, ainda mais rápido que os de ida, e quedámos logo na vila da fronteira, Ressano Garcia, onde tínhamos um excelente almoço à espera, na casa paroquial, por gentileza do pároco, Pe. Eduardo. Antes, porém, ainda deu tempo para um passeio a pé até ao rio Incomati, ali mesmo ao fundo, junto do qual, e devidamente assinalado o local, foram firmados os célebres acordos de Incomati, entre Samora Machel e Pieter Botha, com a finalidade de acabar com a guerra civil de Moçambique. Infelizmente não serviram o seu propósito.

Um pouco mais à frente, fomos avistar uma colónia de hipopótamos, que estavam naquela hora todos mergulhados na água, só com o nariz e os olhos de fora, a vigiarem atentamente os nossos movimentos.

E logo a seguir ao almoço, fomos visitar um projecto liderado pelas Irmãs Scalabrinianas (que trabalham sobretudo com migrantes e refugiados), que faz a diferença num local estratégico desta natureza: dedicam-se a acolher e ajudar vítimas de tráfico humano que, aqui na fronteira, é um flagelo. Tivemos a possibilidade de verificar com os próprios olhos, a movimentação (que é diária) de pessoas que tentam passar a fronteira ilegalmente. Atrás do quintal desta instituição, está a linha da fronteira, com dupla rede, uma delas electrificada. Grupos de gente pela montanha acima, escondidos debaixo das árvores, à espera que a polícia afrouxe a vigilância ou se ausente por alguns momentos, ou até, eventualmente, esperam por algum turno de polícia corrupto, para transporem as cercas, pelas mãos de traficantes que lhe levam o dinheiro, mas nem sempre os passam para o outro lado, ou os abandonam à sua mercê. Esta instituição acolhe mulheres traficadas, alimenta-as, dando-lhe o que necessitam e formando-as.

E transpusemos os últimos 100 Km de regresso a Maputo onde chegámos tarde, mas Laulane como sempre, nos esperava com o delicioso jantar e camas que sempre foram nossas, mas, as quais, utilizávamos apenas pela segunda vez. Dormitámos mais umas pequenas horas, porque de novo a noite foi curta e fomos aumentando o débito de horas à cama. (Continua)

Luis Matias (ASDL)




























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