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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

II – TETE E UM GRANDE BISPO (Parte 2)

POR MARES DANTES NAVEGADOS
6ª EDIÇÃO – MOÇAMBIQUE

II – TETE E UM GRANDE BISPO

Parte 2

Cedo rumámos com destino à distante Zóbuè, pela EN 7, asfaltada e bastante razoável. A paisagem é muito apelativa, e encontrámos no caminho vilas, ou cidades que se reconheciam bastante desenvolvidas nos tempos coloniais. Desde logo Moatize, ainda relativamente próximo de Tete, conhecida por ter as maiores e impressionantes minas de carvão, agora exploradas pela indiana Vulcano. E acima de Arame e Caphrizange, a EN 7 percorre exactamente a linha da fronteira entre Moçambique e o Malawi, o que faz com que a berma direita seja de um país e a esquerda de outro. Isso permitiu que, no regresso, junto a um marco divisório, pudéssemos deixar para a história, documentado em imagens, a incursão que fizemos como clandestinos a um país terceiro, bem como exibir o feito de ter um pé num país e outro pé em outro país. E chegámos a Zóbuè, outra povoação importante, dado ser a fronteira onde termina a EN7 e inicia a M6 do Malawi.

Em Zóbué fletimos um pouco para o interior, numa picada bem razoável até à nossa base, a “Fazenda da Esperança.” Um lugar idílico e onde se fazem coisas maravilhosas. É também já um santuário. Foi construído para Seminário Menor do centro de Moçambique. Depois da nacionalização, e durante a guerra, tudo foi destruído e votado a um monte de ruínas. D. Diamantino promoveu a sua recuperação total, tendo instalado aí uma “Fazenda da Esperança”, masculina. É uma organização vinda do Brasil, que recupera adictos e está espalhada por várias partes do mundo. Está transformado num verdadeiro oásis, suportando as paróquias vizinhas, com os padres da Canção Nova, a Fazenda da Esperança, e o espaço é também santuário, onde os cristãos se juntam para grandes assembleias e celebrações. Chegados aqui, fomos recebidos em festa, e logo fomos carregados nas caixas de 3 pick-up para, numa correria motivada pelo atraso, irmos a uma celebração cujo bispo era esperado pelas 10 da manhã, mas de onde ninguém arredou pé. A picada agora já era bem dolorosa, e os ossos bem postos à prova. Sobre um rio, teve de ser feita nesta semana pelas comunidades dali uma ponte de madeira e terra, que exigiu observação prévia, teste de resistência e muita perícia, para chegarmos, finalmente, a uma comunidade em grande festa, que esperou o seu bispo a cerca de 1 Km para o acompanhar. Altar improvisado no exterior, dois grupos de excelentes vozes, batuques e uns teclados alimentados a painéis solares portáteis, e onde ainda me pude associar com a guitarra ligada a uma pequena coluna com bateria, que sempre nos acompanhou. E serviu também na ocasião para amplificar sem fios a voz do D. Diamantino.

Grande celebração: missa com 2 casamentos, uns 12 batismos e uma série interminável de confirmados. 4 horas de cerimónia, presidida pelo Bispo, e concelebrada pelos nossos companheiros de viagem o Pe. Armindo Janeiro e o Pe. Simão Pedro, e ainda o recém-empossado pároco da grande paróquia a que pertence esta comunidade, um jovem padre da Canção Nova. Um almoço tradicional a seguir, já extemporâneo, mas muito bem acomodado onde já fazia falta, e o regresso à Fazenda, onde partilhámos tempo, histórias, músicas e conhecimento com todos. Jantar e mais uma vez, noite para dormir depressa, depois de uma sessão de convívio e partilha, no salão, entre o nosso grupo e os jovens da fazenda, dirigentes e D. Diamantino.

No dia seguinte, celebramos a eucaristia na bonita igreja recuperada, tomámos o pequeno almoço, e fomos fazer uma visita guiada a toda a Fazenda, incluindo uma excelente escola que ali têm, com todas as condições, e com muito êxito, no contexto do país. Visitámos os animais, culturas, os novos silos de cereais, cultura de plantas aromáticas, fruteiras, etc.

E voltámos a carregar no “Machimbombo”, agora rumo mais a norte, rumo a Angónia, onde o Bispo ia visitar comunidades e celebrar, criar uma paróquia e efectuar visita pastoral.  O tempo em África tem um valor diferente – a celebração durou 6 horas. Afinal nós é que não estivemos lá. A uma dezena de Km de Zóbuè, o nosso até aqui impecável transporte, teve 2 furos atrás, do mesmo lado (roda dupla). Um problema grande, mas nada raro em África. Apesar de longe, sofremos as “passas do Algarve” a desapertar as rodas, porque os parafusos estavam completamente calcinados. E não fora os avantajados quilitos cá do rapaz (já que a assistência em viagem por aquelas bandas é desconhecida) e ainda estaríamos à espera de ajuda. Mas chegou, entretanto, D. Diamantino dirigindo a sua Toyota, carregou os pneus e voltou a Zóbuè para os arranjar. Um estava inutilizado e não havia esta medida. Voltou com o outro que juntámos ao suplente já colocado e, decidimos, sem suplente, não haver condições para viajarmos, pelo que, voltámos à Fazenda e ali ficámos mais uma noite em convívio com os jovens.

Sobre a “Fazenda da Esperança de Zobuè pode ver: https://www.youtube.com/watch?v=-GSZrrn-s1w

No dia seguinte fizemos o regresso a Tete, com um novo furo em Moatize. Durante a troca do pneu, ali mesmo em frente, tivemos o encontro inusitado com a Laurentina, a maravilhosa cerveja preta de Moçambique (até aqui só conhecíamos a 2H) e que adoptámos como companheira inseparável das nossas viagens. Ainda um tempo para nos inteirarmos do ordenado mínimo de Moçambique (para a FP), e percebemos porque é que os polícias se complementam de remuneração acessória compulsiva.

No Paço, o nosso fiel Serafino, sempre com a mesma magia contagiante, assumiu a organização logística da nossa antecipação (porque o Bispo foi para Angónia e já só o reencontraremos em Portugal em Outubro). Ainda deu tempo para uma visita e uma entrevista à Rádio Mwadiya, da diocese, e a um testemunho do Serafino que depois de falecer sua esposa e, um ano depois da sua filha com a mesma doença oncológica, decide entregar a sua empresa aos filhos e vem para Moçambique por uns meses. Só que já leva uns anos e não tem bilhete de ida. No final, alguns resistentes ainda ficámos a saborear música na esplanada do paço, ao som da minha guitarra, quase em regime de discos pedidos, pelo Serafino.

No levantar do dia seguinte, estava implícito o adeus a este maravilhoso tempo de Tete, a estas maravilhosas pessoas que conhecemos e que ficam para a vida. É Domingo. Iniciámos o dia com a celebração da Eucaristia, na Sé, para onde nos deslocámos a pé. Foi uma celebração maravilhosamente viva, com cerimónia de admissão de novos membros do AO, presidida pelo nosso Pe. Simão Pedro, e onde o grupo foi apresentado publicamente à comunidade. Uma verdadeira festa nas duas horas de celebração. Após o almoço, visitámos a cidade em mais um périplo e, antes de rumarmos ao aeroporto, decidimos subir a um monte com uma vista geral da cidade, já próximo do entardecer. Mas, no sopé do monte, mais um furo num dos pneus da mesma roda. Antes que o “diabo as teça”, fizemos meia volta e fomos para o aeroporto, ali perto, gastando o tempo sobrante com a companhia da nova amiga: Laurentina.

E após duas horas e dez minutos a riscar o céu noturno, o nosso Virgílio, no minibus do Instituto Superior de S. João Bosco, conduziu-nos ao nosso lar de Maputo para, mais uma vez, uma noite muito rápida. (Continua)

Luís Matias (ASDL)

One thought on “II – TETE E UM GRANDE BISPO (Parte 2)

  1. obrigado por tão agradável descrição e sugestivas fotografias. E recordo a nossa visita à Guiné, que foi mais suave.

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