No Tríduo Pascal a Igreja celebra anualmente a obra de salvação de Deus Pai que, em seu Filho Cristo, oferece a toda a humanidade e a cada um dos seus membros, a possibilidade de se reconciliar com Ele, inserindo-nos a todos, pela acção do Espírito Santo, no mistério de vida e amor da Trindade Santíssima.
Esta grande celebração inicia-se fazendo memória da Última Ceia do Senhor: momento íntimo e sublime de Jesus Cristo com os seus discípulos, que os confunde e escandaliza, mas que abriu, para eles e para todos os que n’Ele acreditam, horizontes de esperança e de alegria, pois a nossa vida é infinitamente dignificada pela sua entrega sobre a Cruz!
O acesso ao Mistério de Deus – aspiração de todo o ser humano, independentemente do nome que dê ou não à Divindade – é-nos oferecido na Páscoa do Senhor e celebrado pela Igreja na Eucaristia; o desejo indomável de superar os limites da nossa condição, realiza-se, não por usurpação, como pensavam os gregos, ou transgressão, como contam os Géneses, mas por dom gratuito do Filho de Deus que por amor partilha connosco a sua vida divina: “Tomai e reparti entre vós” (Lc 22,17)!
Para este e para os próximos dois anos, o nosso Bispo propôs a todas as comunidades e estruturas de acção pastoral da Diocese um caminho de renovação através da redescoberta da centralidade e importância do sacramento da Eucaristia. De facto, como aconteceu em outros momentos da história da Igreja, a consciência da presença amorosa e humilde do seu Mestre e Senhor na Eucaristia foi determinante para a revitalização da sua vida e para a criação de novos dinamismos pastorais…
Henri De Lubac (1896-1991), teólogo jesuíta francês que muito trabalhou para a renovação da Igreja no II Concílio do Vaticano, olhando para a relação da Igreja com a Eucaristia ao longo dos séculos, dizia que, no primeiro milénio, em especial na época dos Padres da Igreja, esta relação se podia definir pela afirmação: “a Eucaristia faz a Igreja”, e, no segundo milénio: “a Igreja faz a Eucaristia”.
Com a reforma conciliar, a Igreja recuperou a visão da Eucaristia dos primeiros tempos, ajudando esta a ver aquela como família de comunidades eucarísticas e comunhão de Igrejas locais, presididas, na caridade, pelo Bispo de Roma. Uma maior e melhor concretização desta visão na vida e na missão da Igreja, ajudará a dar às diferentes realidades eclesiais a beleza e a forma do mistério que celebramos…
Ao sublinhar a dimensão comunitária da Eucaristia – esquecida nas controvérsias eucarísticas dos inícios do segundo milénio, onde se acentuou mais o facto de o pão e o vinho consagrados se transformarem no corpo e no sangue de Cristo e menos as suas consequências para a vida da Igreja –, este horizonte põe em evidência o seu dinamismo profundo, isto é: ao receber os dons do pão e do vinho transformados, a Igreja, ela mesma, é transformada «por Cristo, com Cristo e em Cristo».
Dito de outro modo, no segundo milénio a Eucaristia deixou de ser compreendida como realidade que modela e forma a Igreja e passou a ser vista simplesmente como um dos sete sacramentos “administrados” pela Igreja (Matias Augé).
Ora, a Igreja celebra a Eucaristia em resposta ao mandamento do Senhor: “Fazei isto em memória de mim”, e na Eucaristia, a Igreja, graças à acção do Espírito Santo, recebe Jesus Cristo e é chamada a viver d’Aquele que recebeu e a testemunhá-Lo no mundo, pessoal e comunitariamente. (continua)
P. Armindo Janeiro