Depois de Cabo Verde e Guiné-Bissau, de São Tomé e Príncipe e Angola, o nosso regresso a África foi adiado. Era a missão de 2020 a Moçambique. Desde Março desse ano que vivemos um “tempo congelado,” impedindo-nos de percorrer os caminhos que levam ao encontro presencial! E o povo moçambicano que, desde 2017, vive uma situação trágica e desoladora, com os ataques bárbaros dos terroristas, bem precisa dos abraços de proximidade, solidariedade e de fraternidade. Os abraços não dados…
Em Março de 2019 o ciclone IDAI atingiu cerca de um milhão e meio de pessoas, causando mais de 600 mortos e 4.000 casos de cólera. E, em Janeiro deste ano, o ciclone ELOISE deixou um rasto de destruição e morte, com milhares de desalojados, na região da Beira. Em Abril passado, na Assembleia Plenária de 2021, a Conferência Episcopal de Moçambique denunciou o aumento dos “actos de guerra, violência e morte”, na Província de Cabo Delgado. O terrorismo mais violento, nomeadamente, na região de Pemba, provoca o medo e o sofrimento de um povo já mártir. Assassinam inocentes, crianças, jovens, mulheres e idosos e arrasam culturas e habitações… São milhares os refugiados, perdidos no mato, a viverem em condições desumanas e a morrerem à fome. Há mais de quatro anos que o mundo político assiste indiferente a este cenário dramático! Não basta condenar e carpir no “muro das lamentações”. É necessário agir. E, felizmente, assim acontece com as acções solidárias, externas e no terreno, de alguns voluntários, instituições religiosas e organizações não governamentais, a dar vez e voz a um povo esquecido e que vai ficando para trás…
Como diz o Papa Francisco, “… Para quê lamentar-nos da noite, se nos espera a luz do dia…” Se “……uma Igreja em saída que está próxima das pessoas em situação de sofrimento, precariedade, marginalização e exclusão não poderá ser paralisada pelo vírus….”; e acrescento, também, que não pode paralisar pelo medo e pelo terrorismo. Esperamos todos que este seja o projecto e a missão da UASP que nos tem unido.
Como antigo aluno franciscano, permitam-me que vos apresente uma breve resenha da longa e frutífera acção missionária dos franciscanos portugueses em Moçambique. Os primeiros missionários partiram de Portugal continental a 3 de Junho de 1898 e chegaram a 17 de Julho onde fundaram a missão da Beira. Aí criaram a Escola de Artes e Ofícios e a Rádio Pax. Quando, em 1998, a Província Portuguesa Franciscana celebrou solenemente “100 Anos de Missão,” o Prof. Veríssimo Serrão afirmou: “… os franciscanos, inspirados por Francisco de Assis, distinguiram-se na “Missão AD Gentes” em terras de Moçambique. Muitos missionários ali deram grande parte da sua vida em favor daquele povo….”. E assim aconteceu. Cem anos depois podemos também afirmar, com alegria e simplicidade, características da espiritualidade franciscana, que foi uma enorme epopeia! E Dom Frei Adriano Langa, então Bispo auxiliar de Maputo, disse que “…a aventura missionária foi bem sucedida, porque fundou igrejas locais e implantou a Ordem dos Frades Menores (OFM), vivendo o Evangelho à maneira de Francisco…”
Até 2005 os missionários franciscanos portugueses criaram 39 Missões! Ano em que nasceu a Custódia de Moçambique cujos frades menores eram, maioritariamente, naturais daquelas terras! O primeiro sacerdote moçambicano foi ordenado em 1953. Era franciscano. Mais tarde, em Dezembro de 1974, foi eleito Arcebispo de Maputo e, em 1988, Cardeal, Dom Alexandre dos Santos.
Maior ainda é a minha alegria e, por isso, louvo e agradeço a Deus, porque, entre tantos valorosos missionários, ao longo de um século, a evangelizarem, em Moçambique e na Guiné-Bissau, contam-se muitos irmãos, amigos e companheiros, do meu curso e da minha geração, das casas de formação e comunidades franciscanas. Perdoem-me esta vaidade…
…Com as imagens presentes de um documentário televisivo, profundamente dolorosas, sobre a fome em África, criei o poema “Sem o pão nosso de cada dia” que vou partilhar convosco:
SEM O PÃO NOSSO DE CADA DIA…
Acordo e recordo
a oração franciscana da manhã
e saúdo toda a criatura como irmã.
Acordo e recordo também
a mãe africana
com o filho ao colo
que de fome morria…
Menino sem nome
e sem forças, batia…,
porque chorar já não podia,
na mão de sua mãe,
a pedir o pão de cada dia.
E a mãe africana,
sozinha na dor,
as mãos vazias abria
e só lágrimas vertia de amor…
Acordo e recordo,
cansado e triste,
o outro mundo sujo
que sempre resiste!
Mundo violento de “abutres”
na corrupção e no tráfico nutridos,
a gozarem a riqueza imerecida,
lado a lado com a pobreza sentida
dos humilhados e excluídos!…
Alfredo Monteiro (AAAFranciscanos)